George Siemens
(17-10-2003), no seu Learning Ecology, Communities, and Networks: Extending
the Classroom, manifestava estas e outras preocupações, de simbiose entre o
virtual e o físico, entre o mundo do trabalho, a aprendizagem formal e a
aprendizagem informal, contínua, permanente, face a uma cultura institucional
universitária e educativa, em geral, que pareciam alheadas das grandes mudanças
em curso. E escrevia o que parecia ser (e revelar-se-ia assim) o embrião para
uma nova visão do conhecimento e da aprendizagem:
What
we know is less important than our capacity to continue to learn more. The
connections we make (between individual specialized communities/bodies of
knowledge) ensure that we remain current. These connections determine knowledge
flow and continual learning (…) To remain relevant, education needs to align
with the needs of learners and the changing climate of work. Courses are not effective
when the field of knowledge they represent is changing rapidly. We need to
respond to these changes in a way that meets learner's needs and that reflects
the reality of knowledge required in the work force. (Siemens, 17-10-2003)
Aceitando que existe
alguma aprendizagem que passa pela aquisição de conhecimento, Siemens sustenta
que a aprendizagem é, sobretudo e mais frequentemente, um processo com vários
estádios e diferentes componentes. Existem muitas actividades preparatórias
ainda antes de nos envolvermos na aprendizagem, como sejam a exploração, a
tomada de decisões, a selecção, etc. A experiência de aprendizagem, ela mesma,
pode definir-se como o momento em que adquirimos, de forma activa, o
conhecimento que nos faltava para completarmos uma tarefa necessária ou
resolvermos um problema.
A aprendizagem é
multifacetada, orientada e determinada pela tarefa. Em Knowing Knowledge
(2006), Siemens procura clarificar e detalhar melhor este carácter
multidimensional e complexo da aprendizagem, distribuindo-a por quatro
domínios: transmissão, emergência, aquisição e acreção:
Fig. 5 - Domínios do
Conhecimento e da Aprendizagem. George Siemens (2006: 34).
A aprendizagem por
transmissão baseia-se na perspectiva tradicional, em que o aprendente é
exposto a um conhecimento estruturado, através de palestras e cursos, inserido
num sistema. Esta abordagem é útil na construção de um conjunto de
conhecimentos básicos e essenciais relativamente a uma disciplina ou área
científica. É, contudo, um modelo dispendioso e lida mal com algumas das
características fundamentais da aprendizagem (social, biunívoca, em processo).
A aprendizagem por
emergência dá maior destaque à reflexão e à cognição, através das quais o
aprendente adquire e cria ou, pelo menos, internaliza, o conhecimento. É uma
abordagem efectiva para uma aprendizagem profunda (não superficial) e pode
promover a inovação e a cognição de alto nível. É um modelo difícil de
implementar em larga escala, pois requer boas competências e pensamento crítico
por parte de todos os estudantes, bem como um elevado nível de familiaridade
com os conteúdos.
A aprendizagem por
aquisição é exploratória e baseada na inquirição. Cabe ao aprendente
definir o conhecimento de que necessita e participar activamente no processo de
modo a garantir a sua motivação e a consecução dos seus interesses pessoais. A
aprendizagem auto-dirigida pode revelar-se problemática em algumas organizações
em que haja objectivos de aprendizagem muito claramente definidos, pois a
liberdade e o controlo dados ao aprendente não são facilmente conciliáveis com
os objectivos predeterminados que se querem atingir. É frequente associar-se a
falta de estrutura a falta de enfoque, e por isso a aprendizagem auto-dirigida
tende a ser vista como pouco rigorosa, mas a verdade é que ela constitui a
maior parte da nossa aprendizagem, pois estamos constantemente a dedicar-nos a
matérias e a conhecimento que são do nosso interesse pessoal ou se relacionam
com a nossa competência profissional.
A aprendizagem por
acreção é contínua. Enquanto função do ambiente, o aprendente procura o
conhecimento quando e onde ele é necessário. É a vida real, e não a teoria, que
comanda este tipo de aprendizagem, que constitui uma actividade constante na
nossa vida: através de diálogos, de um workshop, de um artigo, aprendemos
coisas novas; ganhamos experiência através da nossa reflexão sobre os projectos
que desenvolvemos, sejam eles bem ou mal sucedidos, conectamos e associamos uma
grande variedade de elementos e actividades, moldando e criando constantemente
a nossa compreensão e o nosso conhecimento.
O conhecimento não é
apenas um produto; ele é, também, um processo, e não flui da mesma forma que os
bens físicos na era industrial. É comum associarmos a aquisição ou a criação de
conhecimento com a aprendizagem formal, mas a verdade é que o encontramos de
muitas e variadas formas: aprendizagem informal, experimentação, diálogo,
pensamento e reflexão. A aprendizagem é contínua, não é uma actividade que
aconteça à margem das nossas vidas quotidianas (Siemens, 2006).
Nem os cursos
tradicionais nem as teorias da aprendizagem existentes respondem de forma
satisfatória a esta realidade (Siemens, 17-10-2003). Um dos problemas das
teorias existentes é que se apresentam como a única solução adequada, quando,
na verdade, nunca nenhuma é a melhor ou a pior solução, podendo ser, isso sim,
a mais adequada em determinadas circunstâncias. Torna-se necessário agregar
metodologias variadas que acomodem e promovam os vários aspectos envolvidos na
aprendizagem e, para Siemens (op. cit.), são as comunidades que melhor podem
acorrer às necessidades dos aprendentes neste aspecto.
Trata-se, no fundo, de
trazer para a experiência de aprendizagem elementos que permitam ir além da
sala de aula, do curso, de a integrar na vida real, de modo a que as pessoas,
sobretudo nas áreas em que a informação se expande de forma acelerada, possam
manter-se actualizadas. Não é nos cursos e nas instituições tradicionais que se
pode encontrar essa adaptatividade, auto-suficiência e permanência do
conhecimento (enquanto o aprendente dele necessitar), mas sim numa noção de
aprendizagem como uma ecologia, uma comunidade, uma rede (Siemens, 17-10-2003).
Para poderem manter a
sua relevância numa era em que a norma passará a ser a aprendizagem ao longo da
vida, as instituições educativas terão que abandonar uma visão da aprendizagem
como algo que se inicia num determinado momento do tempo e termina noutro
(semestre, ano, plano curricular). A aprendizagem é fluida, imiscui-se e
embrenha-se em todas as áreas da vida e do trabalho, é contínua, e a tecnologia
potencia-a enormemente, conectando áreas do saber e criando fluidez entre
segmentos de conhecimento nas comunidades, ligando pessoas. A verdade é que as
pessoas procuram, de várias formas e por diversos meios (formais e/ou
informais), preencher as suas necessidades no que se refere à informação, seja
procurando numa biblioteca, pesquisando na Internet, perguntando a um colega,
frequentando um workshop ou inscrevendo-se num curso. Todas estas abordagens
são adequadas, segundo Siemens, quando respondem bem a uma determinada
necessidade de conhecimento.
Um conceito que pode
ser útil, a este respeito, para Siemens (op. cit.), é o de uma ecologia da
aprendizagem. Uma ecologia é um ambiente que promove e suporta a criação de
comunidades; uma ecologia da aprendizagem é um ambiente que é compatível, não
antagónico, com a forma como as pessoas aprendem. De acordo com John Seely
Brown (1999), uma ecologia é um sistema aberto, dinâmico e interdependente,
diversificado, parcialmente auto-organizado, adaptativo e frágil. Este conceito
é, depois, ampliado para incluir características referentes a uma ecologia da
aprendizagem: um conjunto de comunidades de interesses que se sobrepõem; uma
inter-polinização entre elas; uma evolução constante; sobretudo
auto-organizada.
Sendo a aprendizagem e
o conhecimento dinâmicos, vivos e evolutivos e não apenas conteúdos estáticos,
um ambiente de partilha de conhecimento, no âmbito de uma ecologia, devia ter,
de acordo com Siemens (17-10-2003), as seguintes características:
·
Ser informal e não estruturado; não
definir a aprendizagem; ser suficientemente flexível para permitir aos
participantes criarem de acordo com as suas necessidades.
·
Ser rico em ferramentas, providenciando
muitas oportunidades de diálogo e de conexão entre os utilizadores.
·
Possuir consistência e perdurar, já que muitas
comunidades, projectos e ideias começam com grandes expectativas, notoriedade e
promoção e, depois, desaparecem lentamente. Para criar uma ecologia de partilha
de conhecimento, os participantes precisam de ver um ambiente que evolui de
forma consistente.
·
Transmitir confiança. Só o contacto social
intenso, presencial ou online, permite desenvolver um sentimento de confiança e
de conforto, e para tal é necessário que os ambientes sejam seguros.
·
Ser simples; a necessidade de
simplicidade deve ter atenção prioritária. Há excelentes ideias que falham
devido à sua complexidade, sendo as abordagens simples e sociais as mais
eficientes. Quer a selecção de ferramentas, quer a criação da estrutura da
comunidade devem reflectir esta preocupação com a simplicidade.
·
Ser descentralizado, apoiado, conectado,
em vez de centralizado, gerido e isolado.
·
Possuir um alto nível de tolerância relativamente à
experimentação e o fracasso.
Este texto de 2003
reflectia já, como afirmámos anteriormente, muitas das preocupações
fundamentais de Siemens, que este viria a desenvolver e fundamentar no seu
texto seminal do ano seguinte, Connectivism: A Learning Theory for the
Digital Age (12-12-2004), em que propunha nem mais do que uma nova teoria
da aprendizagem.
Em termos sumários, o
Conectivismo visava responder às novas necessidades dos aprendentes do século
XXI e às novas realidades introduzidas pelo desenvolvimento tecnológico e as
transformações económicas, sociais e culturais. O Behaviorismo, o Cognitivismo
ou o Construtivismo, as três teorias da aprendizagem mais frequentemente
utilizadas no desenho de ambientes instrucionais, segundo Siemens (op. cit.),
pertencem a um tempo em que a aprendizagem não beneficiava do tremendo impacto
da tecnologia, como acontece actualmente. Assim, não têm em conta os actuais
ambientes sociais subjacentes ao processo de aprendizagem, nem outros aspectos
muito relevantes, como sejam a mobilidade profissional ao longo da vida, a
importância da aprendizagem informal, a grande variedade de formas e meios de
aprendizagem – através de comunidades de práticas, redes pessoais ou tarefas ligadas
ao desempenho de uma profissão, desenvolvendo-se continuamente ao longo da
vida.
Um dos aspectos
seguramente mais óbvios é, para o autor, o facto de podermos agora
externalizar, transferir parcialmente ou apoiar (off-load) muitos dos
processos mentais, nomeadamente os ligados ao processamento cognitivo da
informação, através da tecnologia. Uma perspectiva da aprendizagem na linha do
que defende Driscoll (2000, citado por Siemens), como uma mudança de estado
duradoura (emocional, mental, fisiológica) resultante de experiências e de
interacções com outras pessoas e com conteúdos, perfilhada pelas teorias
dominantes da aprendizagem, não é já adequada (Siemens, 12-12-2004). Esta visão
segundo a qual a aprendizagem ocorre apenas no interior do indivíduo não contempla
as situações em que esta ocorre fora dele, ou seja, a aprendizagem que é
armazenada ou manipulada pela tecnologia, nem descreve o modo como a
aprendizagem acontece no seio de uma organização.
A necessidade de
avaliar o valor de aprendermos algo é uma meta-competência que é aplicada ainda
antes da aprendizagem propriamente dita ter início. Quando o conhecimento é
relativamente escasso, o processo de atribuição de valor ao conhecimento é
visto como uma característica intrínseca à aprendizagem. Quando, pelo
contrário, este existe em grande abundância, e quando a informação cresce
exponencialmente, temos muitas vezes que agir sem que isso envolva uma
aprendizagem pessoal, sendo necessário proceder a uma avaliação muito mais
rápida, mobilizando informação que não está presente no nosso conhecimento
primário. Deste modo, a capacidade de sintetizar e reconhecer conexões e
padrões é uma competência muito valiosa.
Perante as
insuficiências que, em seu entender, as teorias existentes da aprendizagem
exibem, Siemens propõe uma nova teoria da aprendizagem para a era digital:
Connectivism
is the integration of principles explored by chaos, network, and complexity and
self-organization theories. Learning is a process that occurs within nebulous
environments of shifting core elements – not entirely under the control of the
individual. Learning (defined as actionable knowledge) can reside outside of
ourselves (within an organization or a database), is focused on connecting
specialized information sets, and the connections that enable us to learn more
are more important than our current state of knowing. (Siemens, 12-12-2004)
Num tempo em que as
circunstâncias mudam rapidamente, em que tudo se relaciona com tudo, em que o
fluxo de informação é muito superior ao que podemos apre(e)nder, a
adaptabilidade, a capacidade de reconhecer alterações nos padrões e proceder a
reajustamentos, de formar conexões entre comunidades especializadas, de criar
padrões de informação úteis a partir de uma variedade de fontes de informação são
aspectos essenciais para a aprendizagem (Siemens, op. cit.).
Os conteúdos que
aprendemos têm que ser actualizados, relevantes e contextualmente adequados. A
actualidade do conhecimento é uma função da rede, que se torna, assim, um
elemento cognitivo separado: processa, filtra, avalia e valida nova informação:
In
a connectivist approach to learning, we create networks of knowledge to assist
in replacing outdated content with current content. We off-load many cognitive
capabilities onto the network, so that our focus as learners shifts from
processing to pattern recognition. When we offload the processing elements of
cognition, we are able to think, reason, and function at a higher level or
navigate more complex knowledge spaces. (Siemens, 2006: 43)
É interessante como se
podem ver aqui paralelismos entre a relação das redes com o pensamento e a
cognição e as reflexões de Walter Ong (2002) quanto à importância da escrita
enquanto tecnologia (é ela que possibilita o pensamento abstracto de alto nível
ou o pensamento científico) ou de Pierre Lèvy referentes às tecnologias da
inteligência (1994).
A nossa capacidade
para aprender o que precisamos para amanhã é mais importante do que aquilo que
sabemos hoje, e é por isso que o verdadeiro desafio para qualquer teoria da
aprendizagem é activar o conhecimento no ponto de aplicação:
The
pipe is more important than the content within the pipe (…) As knowledge
continues to grow and evolve, access to what is needed is more important than
what the learner currently possesses.” (Siemens, 12-12-2004).
São estes, então, os
princípios do Conectivismo que Siemens (op. cit.) postula:
·
A aprendizagem e o conhecimento repousam numa diversidade de
opiniões.
·
A aprendizagem é um processo de conectar nós especializados ou
fontes de informação.
·
A aprendizagem pode residir em dispositivos não humanos.
·
A capacidade de saber mais é mais importante do que aquilo que
sabemos num determinado momento.
·
Promover e manter conexões é fundamental para facilitar a
aprendizagem contínua. A capacidade de ver conexões entre ideias, conceitos e
áreas de saber é uma competência crucial.
·
A manutenção de um conhecimento actualizado e rigoroso é o
objectivo de todas as actividades de aprendizagem conectivistas.
·
O tomar de decisões é, em sim mesmo, um processo de
aprendizagem. Escolher o que aprender e o sentido da informação que nos chega é
visto através da lente de uma realidade em permanente transformação. A resposta
que agora é correcta pode ser errada amanhã, devido a alterações no clima
informacional que afecta a decisão.
O outro autor
fundamental na construção de um corpus de conceitos e de fundamentação para o
Conectivismo e o Conhecimento Conectivo é Stephen Downes, em textos como An
Introduction to Connective Knowledge (22-12-2005), Groups vs Networks:
The Class Struggle Continues (27-09-2006), Learning Networks and
Connective Knowledge (16-10-2006), What Connectivism Is (03-02-2007)
ou How the Net Works (18-10-2007). Uma das primeiras contribuições muito
importantes de Downes foi precisamente adicionar aos dois tipos tradicionais de
conhecimento considerados – o qualitativo e o quantitativo – um terceiro tipo:
o conhecimento distribuído, que pode ser descrito como “conectivo”, e que o
autor enuncia assim:
A
property of one entity must lead to or become a property of another entity in
order for them to be considered connected; the knowledge that results from such
connections is connective knowledge. (22-12-2005)
Nesse artigo, Downes
descreve o conhecimento como um fenómeno da rede: saber algo é, no fundo, estar
organizado de uma certa forma, exibir padrões de conectividade. Aprender é,
neste contexto, adquirir certos padrões, e isso vale tanto para um indivíduo
quanto para uma comunidade. Num artigo do ano seguinte, Downes (16-10-2006)
desenvolve um pouco mais esta ideia, explicitando que a aprendizagem ocorre em
comunidades e que a prática da aprendizagem é a própria participação na
comunidade. Uma actividade de aprendizagem é, essencialmente, uma conversa desenvolvida
entre o aprendente e outros membros da comunidade, o que significa, na era da
Web2.0, que a comunicação consiste não apenas de palavras, mas também de
imagens, vídeo, multimédia e não só. Esta conversa dá origem a uma tapeçaria
muito rica de recursos, dinâmica e interconectada, criada não apenas pelos
peritos, mas antes por todos os membros da comunidade, incluindo os
aprendentes. Esta visão é, curiosamente, bastante próxima do modelo de educação
rizomática proposto por Dave Cormier (07-2008).
Já vimos (a propósito
de grupos, redes e colectivos) como Downes considera haver quatro critérios
para que as redes se possam qualificar como knowing networks, que se
mantêm estáveis em todos os textos que referimos acima: diversidade, autonomia,
interactividade e abertura. Neste seu artigo (16-10-2006), contudo, Downes
explicita um pouco mais aquilo que, em seu entender, são as oito propriedades
destas redes que designa como “efectivas”:
1. São descentralizadas.
2. São distribuídas.
residindo as suas entidades em locais físicos diferentes, o que reduz
fortemente o risco de falha na rede, bem como a necessidade de grandes
infra-estruturas.
3. São desintermediadas
(disintermediated), ou seja, eliminam a mediação, a barreira entre fonte
e receptor.
4. Os conteúdos e os
serviços são, nelas, desagregados. As unidades de conteúdo devem ser tão
pequenas quanto possível e o conteúdo não deve ser “acoplado” (“bundled”).
5. Os conteúdos e os
serviços são des-integrados (dis-integrated), isto é, as
entidades numa rede não são “componentes” umas das outras.
6. São democráticas.
As entidades são autónomas, têm liberdade para negociar conexões com outras
entidades e, também, para receber e enviar informação. A diversidade numa rede
é uma mais-valia, pois confere flexibilidade e adaptibilidade.
7. São dinâmicas,
entidades fluidas e em mudança, porque sem isso o crescimento e a adaptação não
seriam possíveis, Este aspecto é descrito, por vezes, como a “plasticidade” de
uma rede. É através deste processo de mudança que se descobre novo
conhecimento, em que a criação de conexões é uma função primordial.
8. São inclusivas
(não segregadas – desegregated). Numa rede, a aprendizagem, por exemplo,
não é perspectivada como um domínio separado e, portanto, não há necessidade de
processos e ferramentas que sejam específicos para a aprendizagem. Esta é vista
como parte integrante da vida, do trabalho, da diversão, logo, as ferramentas
que usamos nas nossas actividades quotidianas são as mesmas que usamos para
aprender.
Naturalmente que a proposta
de uma nova teoria da aprendizagem não ficou isenta de críticas. Em Connectivism:
Learning theory of the future or vestige of the past?, Rita Kop &
Adrian Hill (10-2008) analisam as propostas de Siemens e Downes, congregando
nessa análise outras vozes mais críticas, como as de Pløn Verhagen (2006) e
Bill Kerr (02-2007).
Verhagen (2006)
considera não haver nada de novo, em termos de princípios, no Conectivismo, que
não se encontre noutras teorias da aprendizagem já existentes, e tem sobretudo
grandes reservas relativamente à noção de que a aprendizagem pode residir em
dispositivos não-humanos. Para este autor, esta proposta situa-se ao nível da
pedagogia e do currículo, mas nunca ao nível de uma teoria global da
aprendizagem. Em seu entender, o Conectivismo não vai além de “unsubstantiated
philosophising” (op. cit.: 5).
Kerr (02-2007), por
seu turno, apresenta uma crítica que, indo no mesmo sentido, é mais bem
fundamentada, do nosso ponto de vista. Segundo este autor, as teorias
existentes respondem de forma satisfatória às necessidades da aprendizagem
actual, numa era tecnológica e conectada. Mesmo alguns aspectos reclamados pelo
Conectivismo como específicos foram já cobertos no passado: com a teorização do
social construtivismo, Vygotsky abordou a relação entre ambientes de
conhecimento internos e externos; o construcionismo de Papert e os seus
“objectos para pensar com” (objects to think with) ou a cognição activa
e incorporada (embodied active cognition) de Clark também explicam
muitos desses aspectos; as comunidades de práticas são outro dos modelos a ter
em conta, pois perspectivam a aprendizagem como inerentemente social e situada,
como também as correntes geralmente designadas como construtivistas.
Embora incluam na sua
análise vários outros autores, a perspectiva de Kop & Hill (2008) não se
afasta muito das de Verhagen e de Kerr (sobretudo deste último). Segundo estes
autores, é bem provável que esteja em curso uma mudança de paradigma no campo
da teoria educacional e que assistamos à emergência de uma nova epistemologia,
mas as contribuições do Conectivismo para esse novo paradigma não lhes parecem
suficientemente relevantes para que possa ser considerada uma teoria da
aprendizagem independente por direito próprio. Esta é, também a opinião de Ana Amélia
Carvalho (2007), para quem essa pretensão é infundada. Contudo, estes autores
não deixam de reconhecer que o Conectivismo está a ter um papel importante no
aparecimento e no desenvolvimento de novas pedagogias, em que o controlo está a
passar, cada vez mais, do professor/tutor para um aprendente progressivamente
mais autónomo.
Estas críticas levaram
a que, em textos subsequentes, sobretudo em Siemens, mas também em Downes, haja
um esforço de clarificar e explicitar alguns dos aspectos mais problemáticos e,
por outro, de autonomizar o Conectivismo enquanto teoria da aprendizagem,
procurando evidenciar aquilo que o diferencia das outras teorias precedentes,
embora sem negar genealogias e heranças.
A reacção de Siemens à
crítica de Verhagen parece demonstrar que a afirmação de que existe pouco
conhecimento ou investigação das teorias da educação (ou relacionadas, para o
efeito) por detrás do Conectivismo tem pouco fundamento e que, além disso, a
forma como foi desenvolvida (o referido “filosofar sem substância”, por
exemplo) não é bem aceite por Siemens. Num artigo com um título irónico e que
demonstra essa insatisfação, Connectivism: Learning Theory or Pastime of the
Self-Amused? , Siemens ((12-11-2006) desenvolve, ao longo de trinta e nove
páginas (a crítica de Verhagen consistia em cinco), uma sólida defesa dos
princípios enunciados no seu artigo de 2004, percorrendo várias áreas
científicas, visitando a história e a filosofia da educação e interrogando
várias teorias da aprendizagem face ao Conectivismo. Siemens admite ter havido
evoluções e reformulações relativamente a vários aspectos, o que acha natural,
até tendo em conta o que, num lapso de quase dois anos, de novo surgiu no campo
das tecnologias e da discussão em torno dos aspectos abordados nesse primeiro
artigo, mas reafirma os pressupostos essenciais da sua proposta original.
A crítica da crítica,
em secção própria introdutória – Background – é dura e parece evidenciar que
Siemens terá sentido, de certa forma, que Verhagen abordou a questão de ânimo
leve. Começando por interrogar-se das razões que terão levado Verhagen a
analisar um texto já desactualizado e do conhecimento que este terá, em termos
operativos e de utilização, da realidade que critica, Siemens afirma que
The
error made in the review is precisely the reason why we need to explore
connectivism as a learning theory: static, context-less, content-centric
approaches to knowing and understanding are fraught with likelihood of
misunderstanding (…) Context shapes the nature of knowledge and learning,
requiring that we consider contextual factors when engaging in debate,
dialogue, or critique. (12-11-2006: 5)
Reafirmando a sua
posição de partida, Siemens reitera que o crescimento e a complexidade do
conhecimento actuais requerem que a nossa capacidade para aprender resida nas
conexões que estabelecemos com pessoas e informação, frequentemente mediadas ou
facilitadas pela tecnologia. A importância da mudança do saber interno para o
saber externo é evidenciada, segundo Siemens, pela desenvolvimento da Internet
como estrutura conectada, permitindo o desenvolvimento do conhecimento e da
aprendizagem, e não apenas de dados e de informação. Nas
suas palavras, “[t]he learning is the network” (op. cit.: 16). Teorias que ignoram a
natureza em rede da sociedade, da vida e da aprendizagem passam ao lado, em seu
entender (op. cit.), das mudanças fundamentais no nosso mundo.
Após uma análise
extensa e depois de atentar, em particular, nas perspectivas que behavioristas,
cognitivistas e construtivistas postulam sobre o conhecimento e a aprendizagem,
Siemens procura retomar alguns dos aspectos relativos ao Conectivismo e
explicitar, a partir de um quadro-síntese que reproduzimos em seguida, as
diferenças (e, também, semelhanças) entre as várias teorias, e responder à
questão sobre se o Conectivismo deverá ser, ou não, considerado uma teoria
autónoma.
Propriedades
|
Behaviorismo
|
Cognitivismo
|
Construtivismo
|
Conectivismo
|
Como ocorre a
aprendizagem?
|
Caixa negra –
enfoque no comportamento observável
|
Estruturado,
computacional
|
Social, sentido
construído por cada aprendente (pessoal).
|
Distribuído numa
rede, social, tecnologicamente potenciado, reconhecer e interpretar padrões.
|
Factores de
influência
|
Natureza da
recompensa, punição, estímulos.
|
Esquemas (schema)
existentes, experiências prévias.
|
Empenhamento (engagement),
participação, social, cultural.
|
Diversidade da rede.
|
Qual é o papel da
memória
|
A memória é o
inculcar (hardwiring) de experiências repetidas — onde a recompensa e
a punição são mais influentes.
|
Codificação,
armazenamento, recuperação (retrieval).
|
Conhecimento prévio
remisturado para o contexto actual.
|
Padrões adaptativos,
representativos do estado actual, existente nas redes.
|
Como ocorre a
transferência?
|
Estímulo, resposta.
|
Duplicação dos
constructos de conhecimento de quem sabe (“knower”).
|
Socialização.
|
Conexão (adição) com
nós (nodes).
|
Tipos de
aprendizagem melhor explicados
|
Aprendizagem baseada
em tarefas.
|
Raciocínio,
objectivos claros, resolução de problemas.
|
Social, vaga (“mal
definida”)
|
Aprendizagem
complexa, núcleo que muda rapidamente, diversas fontes de conhecimento.
|
Quadro 4. Teorias da
Aprendizagem. George Siemens (12-11-2006: 36).
O enfoque de análise
baseia-se nas “cinco questões definitivas” enunciadas por Peg Ertmer (citada
por Mergel, 1998; cf. Siemens, 12-11-2006) para distinguir uma teoria da
aprendizagem, e que aparecem na tabela como “Propriedades”. Desta análise,
conclui Siemens (op. cit.) que, após décadas de adaptação de teorias existentes
a realidades que se transformaram se torna necessário, face às mudanças
dramáticas no conhecimento, na sociedade e na tecnologia, alterar a forma como
perspectivamos a aprendizagem. Para este autor, o crescimento exponencial do
conhecimento, a investigação emergente (em neurociência e em inteligência
artificial), novas filosofias do conhecimento (knowing), e a
complexidade crescente, que requer um saber e uma interpretação distribuídos,
já não encontram respostas suficientes nas grandes teorias da aprendizagem
existentes. E termina, dizendo:
An
alternative is needed. Whether connectivism plays this role is irrelevant. Of
most importance is that educators are reflecting on how learning has changed
and the accompanying implications to how we design the spaces and structures of
learning today. (Siemens, 12-11-2006:
39)
Esta posição de
abertura e de diálogo por parte de Siemens está longe de ser retórica.
Salientemos o facto de a crítica que referimos de Bill Kerr (02-2007), Learning
Evolves: A Challenge to Connectivism, constituir uma das comunicações
principais apresentadas no âmbito da Online Connectivism Conference
organizada por Siemens em Fevereiro de 2007, a partir da Universidade de
Manitoba, a convite deste, que sabia das objecções de Kerr e lhes atribuía
bastante valor e importância.
Da argumentação
principal de Kerr já demos conta, enquadrada na análise de Kop & Hill
(10-2008). Foi, na circunstância, um dos animadores da conferência, pois para
além da comunicação, muito participada, moderou um tema de discussão, a
challenge to connectivism, muito activo e em que foi contribuído, por
vários participantes para além de Kerr, Siemens e Downes, conteúdo muito
relevante para a discussão destas questões[1].
Downes, que teve um
papel preponderante nesse diálogo com Kerr, recolheu os seus argumentos no
blogue Half an Hour[2], numa entrada
intitulada What Connectivism Is (03-02-2007), de que destacamos os
aspectos mais relevantes.
O autor refere que, no
cerne do Conectivismo, repousa a tese de que o conhecimento está distribuído
por uma rede de conexões e que, por essa razão, a aprendizagem consiste na
capacidade de construir e circular nessas redes. Embora o Conectivismo partilhe
com outras teorias a noção nuclear de que o conhecimento não é adquirido, como
se fosse uma coisa, e daí a relação por vezes referida entre esta abordagem e o
construtivismo ou a aprendizagem activa, por exemplo, o Conectivismo difere
dessas teorias por não ser cognitivista, isto é, por não descrever o
conhecimento e a aprendizagem como estando baseados na linguagem e na lógica.
Daí que a noção de transferência ou construção de conhecimento não exista no
Conectivismo.
Tal implica, segundo
Downes (op. cit.), uma pedagogia que procure descrever não só as redes “bem
sucedidas” (segundo as propriedades caracterizadas por este autor que referimos
anteriormente), mas também as práticas que levam a essas redes, tanto no
indivíduo como na sociedade. Em termos de uma operacionalização prática, para
este autor, “ensinar” é modelar e demonstrar e “aprender” é praticar e
reflectir (op. cit.).
Num
artigo posterior (06-08-2008), What is the unique idea in Connectivism?[3], Siemens procura
aprofundar um pouco mais a sua reflexão sobre aquilo que, em seu entender, é
único na abordagem que propôs. Depois de enunciar algumas das raízes (origens,
heranças) do Conectivismo, como, por exemplo, Lave & Wenger, com a
aprendizagem situada (também um pouco Papert); Bandura, Bruner e Vygotsky, com
a aprendizagem social; as perspectivas epistemológicas de Downes, com o seu
trabalho sobre o conhecimento conectivo, ou de Dave Cormier, com o conceito de
conhecimento rizomático e de comunidade como currículo; ou McLuhan, com o
impacto da tecnologia no que significa ser humano, para citar apenas algumas
das referências, Siemens elenca 5 ideias que, do seu ponto de vista, são únicas
no Conectivismo:
1. O conectivismo é a
aplicação de princípios das redes para definir tanto o conhecimento como o
processo de aprendizagem. O conhecimento é definido como um padrão particular
de relações e a aprendizagem como a criação de novas conexões e padrões, por um
lado, e a capacidade de manobrar através das redes e padrões existentes.
2. O conectivismo lida
com os princípios da aprendizagem a vários níveis – biológico/neurais,
conceptuais e sociais/externos.
3. O conectivismo
concentra-se na inclusão da tecnologia como parte da nossa distribuição de cognição
e de conhecimento. O nosso conhecimento reside nas conexões que criamos, seja
com outras pessoas, seja com fontes de informação, como bases de dados.
4. Enquanto as outras
teorias prestam uma atenção parcial ao contexto, o conectivismo reconhece a natureza
fluida do conhecimento e das conexões com base no contexto.
5. Compreensão,
coerência, interpretação (sensemaking), significado (meaning):
estes elementos são proeminentes no construtivismo, menos no cognitivismo, e
estão ausentes no behaviorismo. Mas o conectivismo argumenta que o fluxo rápido
e a abundância de informação elevam estes elementos a um patamar crítico de
importância. Neste contexto,
Connectivism
finds its roots in the climate of abundance, rapid change, diverse information
sources and perspectives, and the critical need to find a way to filter and
make sense of the chaos. As such, the networked centrality of connectivism
permits a scaling of both abundance and diversity. (Siemens, 06-08-2008)
Tivemos oportunidade
de assistir à excelente comunicação que Siemens apresentou no Encontro sobre
Web 2.0, organizado pela Universidade do Minho em Outubro de 2008. New
structures and spaces of learning: The systemic impact of connective knowledge,
connectivism, and networked learning é uma reflexão, já bastante maturada,
sobre estas mudanças de que temos vindo a dar conta, do seu significado para
quem ensina e quem aprende, do impacto que causam e dos desafios que colocam às
instituições educativas e à sociedade em geral na próxima década. É muito abrangente
e não é possível fazer aqui uma análise detalhada do seu conteúdo. Mas contém
aspectos que nos parecem ter interesse para concluir esta breve introdução ou
problematização do Conectivismo que aqui ensaiámos, desde logo porque Siemens
foge à tentação de querer erigir a sua proposta como a única, antes a enquadra
num conjunto de outras propostas que, na sua perspectiva, têm estado a levar (e
continuarão a fazê-lo) a educação na direcção adequada:
Exciting
times lie ahead for educators as the oft-desired, but rarely-realized, dream of
learner-centered education moves daily closer to reality. Driven by the
development of social learning theory and the advancement of participatory web
technologies, new opportunities are rapidly becoming apparent. Learning
theories, such as constructivism, social constructivism, and more recently,
connectivism (Siemens, 2005), form the theoretical shift from instructor or
institution-controlled teaching to one of greater control by the learner. (10-10-2008)
Reiterando a transição
de um mundo em que o conhecimento é estável e produzido por uma autoridade ou
autores, para um outro em que este é instável, fluido e produzido pelos
indivíduos, com base nas ferramentas e serviços comummente designados como Web
2.0, Siemens propõe-nos a sua visão de uma ecologia da aprendizagem.
Figura 6. As dimensões
ilimitadas da aprendizagem. George Siemens (10-10-2008).
São os próprios
espaços e estruturas da aprendizagem que se deslocam e transformam. Com alguma
inspiração assumida em nomes como Ivan Illich ou Paulo Freire, aspira-se a uma
pedagogia da participação que leve a um afrouxamento da hierarquia
institucional e a uma abertura e desdobramento da sala de aula em novas
ecologias de aprendizagem (os seus espaços), onde comunidades e redes (as suas
estruturas) possam florescer e sobrevir, assim, a diversidade, o diálogo e a
participação activa:
When
a transition is made to networked models of learning, learners are able to form
relationships with peers and experts from around the world. Content is not
filtered according to the ideology of one professor. Instead, academic
resources from different institutions and educators are utilized [which
provide] learners with a far richer pool of resources on which to draw. A fluid
network of relationships (…) presents new learning experiences not found in a
traditional model. Multiple perspectives and voices replace singular views of
content and interaction. (Siemens, 10-10-2008)
[2] Não é a presença principal de Stephen Downes na Web, apenas,
como refere o “subtítulo” do blogue, “A place to write, half an hour, every
day, just for me.”
[3] O artigo surge na sequência de uma pergunta feita por Siemens a
Gary Stager no Twitter: "when a constructivist constructs knowledge, where
does it reside physically/biologically?". Stager não respondeu
directamente, mas fez, também ele, uma pergunta: “what is the unique idea in connectivism?”,
que deu origem a esta resposta de Siemens (06-08-2008).
Referências
Bibliográficas
Carvalho, Ana Amélia
(2007). Rentabilizar a Internet no Ensino Básico e Secundário: dos Recursos e
Ferramentas Online aos LMS. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, 3,
Maio/Agosto, 25-40. Disponível em http://sisifo.fpce.ul.pt/pdfs/sisifo03PT02.pdf [acedido em
15-12-2008].
Downes,
Stephen (27-09-2006). Groups vs Networks: The Class Struggle Continues. Comunicação feita no
âmbito da eFest, Wellington, Nova Zelândia. Transcrição, áudio e slides
disponíveis em http://www.downes.ca/presentation/53 [acedido em
15-12-2008].
Lévy, Pierre (1994). As
Tecnologias da Inteligência: o Futuro do Pensamento na Era Informática.
Lisboa: Instituto Piaget. [Edicão original francesa de 1990 pelas Éditions La
Découverte].
Ong,
Walter (2002). Orality and Literacy. New York: Routledge.
Siemens,
George (10-10-2008). New structures and spaces of learning: The systemic impact
of connective knowledge, connectivism, and networked learning. Comunicação
apresentada no Encontro sobre Web 2.0, Universidade do Minho, Braga.
Disponível em http://elearnspace.org/Articles/systemic_impact.htm [acedido em
15-12-2008].
Siemens,
George (12-12-2004). Connectivism: A Learning Theory for the Digital Age.
International Journal of Instructional Technology and Distance Learning,
2(1). Disponível em http://www.itdl.org/journal/jan_05/article01.htm
[acedido em 15-12-2008].
Acesso:
http://orfeu.org/weblearning20/4_2_conectivismo